O ENSINO CENTRADO NO ESTUDANTE: RENOVAÇÃO E CRÍTICA DAS TEORIAS EDUCACIONAIS DE CARL ROGERS

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O ENSINO CENTRADO NO ESTUDANTE: RENOVAÇÃO E CRÍTICA DAS TEORIAS EDUCACIONAIS DE CARL ROGERS
Miguel de La Puente
Cortez e Moraes- São Paulo/1978


É indiscutível a influência e a importância de Carl Rogers nos meios educacionais brasileiros, principalmente depois que a psicologia humanista se impôs como uma terceira força, renovadora e indagadora dos velhos problemas que inquietam o homem durante sua existência.

Se essa influência e essa importância são visíveis, não é menos verdade que nem sempre os estudos rogerianos têm sido entendidos e vividos de maneira a respeitar sua originalidade e sua contribuição, mas ao contrário, apresentam-se às vezes como algo indefinido, flutuando entre um vago sentimentalismo e um desejo de rigor científico, quase sempre de acordo com os interesses e posicionamentos de quem os utiliza.

O próprio Rogers afirma, no seu livro Tornar-se Pessoa, referindo-se exatamente a esse problema: “tive sempre dificuldades em saber quem me tinha feito um mal maior, se os meus amigos, se os meus adversários”.

O livro O ensino centrado no estudante: renovação e crítica das teorias educacionais de Carl Rogers é a tentativa mais válida, em contexto brasileiro, de esclarecer e apontar soluções para a superação de dificuldades que a má utilização das obras do psicólogo americano provoca.

Para isso, não faltam condições ao autor.

Tendo feito o doutoramento na Universidade de Strasbourg, exatamente com uma tese sobre Rogers, na qual analisa a evolução e a passagem dos conceitos de terapia à situação do ensino, Miguel de La Puente, professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), domina o referencial teórico rogeriano, quadro maior onde se movimenta e se situa o presente livro.

Na verdade, não se trata de apresentar a imagem açucarada, romântica e utópica que uma certa pedagogia não diretiva veicula como o modelo acabado de Carl Rogers, mas de recuperar os aspectos fundamentais dessa abordagem, mostrando e analisando as grandes influências na sua obra, especialmente o pensamento de Otto Rank e Sigmund Freud, sem esquecer a contribuição da fenomenologia.

A partir dessa perspectiva teórica, emerge o verdadeiro Rogers, o humanista preocupado também com o rigor científico, com o controle de variáveis, com a comprovação de hipóteses, enfim, com a volta contínua à experiência, fonte principal de suas pesquisas e suprema autoridade, “toque de toda a validade”, segundo o próprio autor estudado.

Não se trata, evidentemente, de retirar da psicologia rogeriana seu caráter humanista, sua preocupação em debruçar-se sobre o próprio objeto da ciência psicológica, com suas emoções, sonhos, veleidades, incoerências, focalizando-o do ponto de vista global, como um organismo que se comporta de maneira total, em contínua procura de sua realização.

Para o autor, toda pesquisa empírica tem de estar, de alguma forma, relacionada com um quadro teórico, com um modelo ao qual se referem os dados.

Nesse sentido, a abordagem rogeriana não é apenas um jogo sem consequência, em que emoções momentâneas predominam sobre a razão e o discurso lógico, mas também se insere na busca do rigor e da validade científica.

Por esta razão, é que o livro renova as teorias educacionais de Rogers, conferindo à motivação e à não diretividade um lugar privilegiado: à motivação, por ser um dado frequentemente esquecido em sala de aula, em face sobretudo das dificuldades operacionais em conceituá-la; e à não diretividade, porque certamente não há aspecto do pensamento rogeriano que seja tão mal compreendido, e consequentemente tão mal manipulado.

Compreende-se então que a não diretividade não se confunde com a atitude de laissez-faire, ou com o abandono do aluno ou do cliente à sua própria sorte, mas que é uma relação de ajuda em que a pessoa escolhe seu próprio caminho, adulta e livremente, rejeitando tanto a diretividade quanto o abandono.
Do mesmo modo, compreende-se melhor o que seja uma aprendizagem significativa, a partir sobretudo das contribuições de Eugene T. Gendlin, a principal das quais é a dimensão experiencial dessa aprendizagem.

Outro aspecto importante ressaltado pelo autor é a análise dos limites institucionais, que as teorias rogerianas sofrem frequentemente. Como, de fato, praticá-las, se a Escola é pressionada por toda sorte de controles burocráticos: chamada, conteúdos preestabelecidos, exames e avaliações determinados, programas inflexíveis, que transformam o professor num simples burocrata do ensino?

A contradição é resolvida ao menos em parte quando o autor mostra o caráter realista da obra de Rogers, que não propõe um neorromaníssimo, uma sociedade sem leis ou pressões, à maneira de Rousseau, mas é bem consciente de que sua proposta se dirige ao ser humano, vivendo numa certa cultura, historicamente condicionado, e cuja liberdade é limitada. Numa palavra, a “utopia rogeriana” assenta suas raízes nas situações concretas, e deve ser vivida dentro e apesar dos limites institucionais.

A experiência de um “contrato de estudo”, vivido pelo autor na Faculdade de Educação da UNICAMP, relatada no capítulo V, dá a seu livro o caráter não somente de uma revisão e renovação das teorias rogerianas, mas a certeza de que essas teorias são operacionais e podem consequentemente ser submetidas ao rigor do método científico.

Carl Rogers não poderia ter encontrado melhor contribuição para o esclarecimento e a explicitação de suas teorias educacionais do que o presente livro.

E se considera que o autor é não apenas um teórico rogeriano, crítico perspicaz e inteligente de suas teses, mas um professor, um docente possuidor de toda a riqueza que o encontro em sala de aula proporciona, vê-se o serviço que esta obra trouxe à própria educação brasileira.

CARLOS ALBERTO JALES COSTA