Que querer é esse que eu quero? Despertando o querer usando atividades teatrais. ACP: encruzilhadas e perspectivas

Vera Cabrera Duarte

Artigo Publicado: – Que Querer é esse que eu Quero? Despertando o querer usando atividades teatrais. In: Leila Barbara ; Rosinda de Castro Guerra Ramos. (Org.). Reflexão e Ações no Ensino-Aprendizagem de Línguas. Mercado de Letras : Campinas, 2003, v. , p. 259-285.

The subject of drama is an exploration of the ways that human beings think, feel and communicate, and it teaches us to understand ourselves, and other people, much better.

Bruce Burton

Introdução

O objetivo principal deste artigo é relatar e discutir uma experiência pedagógica ocorrida em uma escola da rede estadual de ensino com a implementação de proposta didática baseada em atividades teatrais, a qual é resultado do meu projeto de pesquisa Living Drama in the Classroom: uma proposta de abertura à Aprendizagem Significativa e foi implementada em conjunto com uma das professoras da escola[1].

Primeiramente, são discutidos os pressupostos teóricos referentes à Aprendizagem Significativa e sua relação com o querer do aluno. Em seguida, é discutida a questão da resistência à Aprendizagem Significativa e a maneira como essa resistência se relaciona com as várias deficiências na aprendizagem. Finalmente, as atividades teatrais implementadas são descritas e discutidas.

Que querer é esse?

A ação de formar, de construir, de dar uma forma nova pode perseguir a idéia de amplitude de abertura… e de transformação, que é a concretude do aprender significativamente. Carl Rogers, psicólogo precursor da Psicologia Humanista e especialmente da Abordagem Centrada na Pessoa, faz as seguintes considerações a respeito da Aprendizagem Significativa:

(é) envolvimento pessoal, a pessoa toda – sentimento e intelecto – está no evento da aprendizagem (…) é auto-iniciada, mesmo quando o estímulo vem de fora, a sensação de descoberta, de alcançar algo, de compreender, vem de dentro do aluno (…) é pervagante, altera o comportamento, as atitudes, talvez mesmo a personalidade do aluno (…) é avaliada pelo próprio aluno. É ele que sabe se caminha para o que quer aprender. O locus da avaliação reside no aluno; ela é, portanto, auto-avaliada. (Mahoney, 1976: 42) (grifo meu)

Como, então, aprender significativamente? Em outras palavras, como envolver-se totalmente com a própria aprendizagem? Como contar com um tipo de aprendizagem que seja auto-iniciada e altere valores, atitudes e comportamentos dos aprendizes e finalmente garanta que essa aprendizagem seja – em primeira instância – avaliada pelo próprio aluno? Talvez a resposta esteja no verbo querer: é o nosso querer que nos leva nesta ou naquela direção; em conseqüência, é o nosso não-querer ou não saber qual é o nosso querer que nos leva à estagnação, à inércia.

Mas o querer é fragmentado, quase constituído pelo querer alheio, diluído no decorrer dos anos, o que faz a capacidade de autodirigir-se tornar-se limitada e por vezes até mesmo inexistente no ser humano. Conseqüentemente, o locus interno de controle ou avaliação não mais aponta para a direção a ser seguida e, na tentativa de receber aprovação, afeto e admiração, a pessoa, nas palavras de Rogers (1985: 229),

(…) abdica do locus de avaliação que é o da sua infância, para substituí-lo pelo dos outros. Aprende a ter uma desconfiança básica em relação ao que ela própria experimenta como guia do seu comportamento. Aprende dos outros grande número de valores concebidos e adota-os como seus, ainda que se lhe afigurem amplamente discrepantes do que ela experimenta. Como tais conceitos não se baseiam na sua própria maneira de avaliar, tendem a se tornar fixos e rígidos, em vez de serem fluidos e mutáveis.

Como se vê, a dificuldade de conduzir nossa aprendizagem em direção aos nossos verdadeiros interesses vincula-se à necessidade de avaliação do outro, ou seja, de sabermos como somos avaliados pelo outro, numa expectativa de que essa avaliação seja positiva. Moreno (1993:17) mostra como isso ocorre. Ele pondera:

Desde pequenos, primeiro en la familia y luego in la escuela y en otras situaciones sociales, emprezamos a creer que no podemos decidir por nosotros mismos que necesitamos que otros nos señalen lo que nos gusta y lo que queremos hacer, que los desás nos indiquem nuestros deberes y responsabilidades.

Poco a poco vamos perdiendo claridad y conciencia de que nos gusta y de que nos disgusta, de nuestra propria manera de ver las cosas, de lo que nos atre e inquieta, de las interrogantes que quisiéramos poder contestar, de aquello que dispierta nuestra curiosidad. Conforme crescemos nos convertimos en desconocidos para nostros mismos

Mas, nós, educadores, professores, desejamos que o nosso aluno queira. Embora isso seja muito ambicioso, o querer é imprescindível no processo de aprendizagem – especialmente se acreditamos que aprendizagem é envolvimento pessoal, é auto-iniciada, é pergavante e avaliada pelo próprio aluno. Celani (2001:2), ao discorrer sobre transdisciplinaridade no ensino de Inglês como língua estrangeira, sugere que o querer seja um direito dos nossos alunos:

In an educational system which sets as its backbone the development of citizenship and dignity, the human being must be at the very centre of the curriculum. This implies a reformulation of the concept of production of knowledge. This reformulated view proposes production of knowledge, as something that will give the learners the right to wish, to look for, to create, to wonder, at the same time developing self-esteem and self-respect. (grifo meu)

Como educadores, trabalhamos num projeto pedagógico, incentivando o tempo todo um querer, uma vontade. Trata-se de despertar nossos alunos para a questão a que vim? O maior entrave, no entanto, é que, além de o querer vir de dentro, ser intrínseco, ele é constituído por estímulos e circunstâncias externas, ele deve e precisa ser aguçado, provocado, quase “atiçado”. E é necessário que façamos isso porque o nosso aluno tem direito de sentir que o prazer em aprender é maior do que a dor, do que o medo de entregar-se ao próprio processo de aprendizagem. Vale a pena ultrapassar a natural resistência à aprendizagem.

Surge, então, o questionamento seguinte: que tipo de aprendizagem deve ser esta que desperta motivação nos nossos alunos? É a Aprendizagem Significativa, processo de mudança na atitude, nos comportamentos; processo de transformação de valores em relação a nós mesmos, aos outros e à própria forma de aprender; processo vinculado à vida, aos interesses, às inquietações e às preocupações de quem aprende. Enfim, trata-se de uma aprendizagem que só terá sentido se for aplicável, se tiver um significado claro para a vida do aprendiz. Como mostra Yus (2001:18), ao descrever sua concepção de educação, é muito importante o desenvolvimento integral da pessoa:

A educação holística nutre o desenvolvimento da pessoa global. Está interessada no intelectual, assim como no emocional, no social, no físico, no criativo/intuitivo, no estético e nos potenciais espirituais (…) está interessada na experiência vital, não em ‘habilidades básicas’ rigorosamente definidas. A Educação é crescimento, descoberta de uma vastidão de horizontes; é um envolvimento com um mundo, uma questão para compreender e dar sentido…

Quando se desencadeia no aluno a vontade e/ou necessidade de alcançar seus objetivos e, junto com essa vontade, a confiança de que, apesar dos obstáculos, ele conseguirá atingi-los, os meios para isso são descobertos, muitas vezes, por ele mesmo. E o professor, de certa forma, torna-se um recurso utilizado pelo aluno da maneira que melhor lhe convém. Essa atitude de responsabilidade pelo aprendizado é, inclusive, fundamental num processo no qual aprender significativamente é individual: ninguém pode aprender pelo outro; portanto, um processo intransferível que envolve tomada de decisões sobre o aprendizado. É o próprio aprendiz quem deve escolher seus objetivos, o caminho, o ritmo a seguir, até mesmo os materiais a serem utilizados. Ele deve saber o que querer e, finalmente, deve também ser o responsável por avaliar o processo como um todo.

O Ensino Centrado no Aluno supõe, segundo Rogers, que o ser humano tenha um impulso natural, uma potencialidade para aprender e que a educação atenda às necessidades individuais de aprendizagem. É uma prática educativa que leva em consideração a individualidade e a singularidade de cada aluno. Yus (2001: 69) sinaliza que isso se consegue com “a criação de contextos positivos de aprendizagem, tanto na sala de aula quanto na escola, contextos que aumentem a probabilidade de que um maior número de estudantes tenha sucesso”. Em outras palavras, contextos que dêem conta das necessidades e do querer dos alunos.

Mas, evidentemente, promover esse mergulho no querer próprio do aluno não é tarefa fácil. Oferecer um maior número de escolhas para o aluno em relação a o que e como estudar pode ser uma alternativa. Desenvolver o hábito da reflexão acerca do próprio processo de aprendizagem também contribui para uma conscientização sobre o querer ou o não-querer aprender. Assim, um dos questionamentos que permeia esta reflexão é: que condições, nós, educadores, professores de Inglês, estamos oferecendo ao nosso aluno para que ele possa encontrar (ou ao menos chegar mais perto de) seus reais desejos e necessidades e, aí sim, tornar-se um melhor aprendiz da língua inglesa, assim como uma pessoa mais bem preparada?

Minhas inquietações, às vezes angustiantes, acerca da forma como nos relacionamos com nossos alunos e com os conteúdos a serem por eles aprendidos levam-me a postular que experiências de Aprendizagem Significativa deveriam permear nossas aulas.

Mas, a que contexto educacional e a que alunos me refiro? Penso no curso Reflexão sobre a Ação: o professor de inglês aprendendo e ensinando e, em especial, no módulo que ministro desde a implantação do referido curso: Resgatando o aprender e compartilhando o ensinar. Meus alunos são professores de Inglês da rede pública e, ao serem solicitados a relatar as dificuldades encontradas no seu cotidiano, inúmeras vezes, apontam graves problemas gerados por questões sociais, que escapam do alcance da sua interferência direta. Os relatos abaixo, de três professoras, ilustram a realidade de alguns de seus alunos:

Eu trabalho a noite em uma escola municipal no curso supletivo. O número de alunos adolescentes e jovens é muito grande. Em sua maioria são desempregados, mal alfabetizados, usuários de drogas e entre as garotas em sua maioria são mães precocemente. Com relação as famílias dos mesmos não apresentam ter organização familiar com o mínimo possível para que possam ser considerados responsáveis. A maior parte dos alunos são filhos de pais separados e muitos nunca conheceram os pais. Ah! São moradores da favela próxima à escola e na comunidade não há oportunidade para atividades gratuitas. (sic)

These 10 students do not stop talking. If you try to explain something they start talking at the same time. I do not know them. They were not my students last year. There is one of them who took part of the robbery of the 25 computers of the school last year. He went to FEBEM twice last year. He threatened the director once when one of his friends was smoking drugs illegally at the back of the school and they were arrested by the police. Somebody saw them and called immediately the police. They are addicted to drugs and they jump the wall of the school to smoke. Now the judge has sent him to school again as ‘Liberdade Assistida’. So I am really afraid to approach.

… o maior problema que enfrentei foi com um grupo de quatro alunos que se negavam a participar de qualquer tipo de atividade. Conversavam e riam o tempo todo. Foi, para mim e para meus colegas, uma situação muito frustrante pois todos sabíamos que o objetivo deles era freqüentar a escola apenas para poderem vender drogas. E, obviamente, não faziam absolutamente coisa alguma, para não ficarem retidos e prolongarem seus ‘empregos’ por muito tempo. A circulação de traficantes na escola é sem dúvida, na minha opinião, a situação mais difícil de ser enfrentada. Em todos os outros casos há sempre algo a ser tentado, mas nesse caso especificamente, precisamos engolir o nosso orgulho e aprender a conviver com nossa impotência.

Além desses casos extremos e não raros, vários outros problemas são apontados e, dentre eles, o “marasmo”, a falta de envolvimento e de vontade dos jovens alunos. Uma das professoras relatou o seguinte:

O desinteresse dos alunos é um fator que atualmente atrapalha muito o nosso trabalho. Por mais que o professor inove seja dinâmico, atualizado, ele não consegue chamar a atenção, despertar o interesse do aluno. E muitas vezes o aluno bom se desmotiva com a bagunça dos colegas… muitos não conseguem se concentrar ou argumentar qualquer coisa. São totalmente apáticos. (sic)

Tendo por base os depoimentos desses professores da rede pública, farei uma reflexão, quase em conjunto com eles, acerca das carências dos estudantes de Inglês do ensino fundamental e médio da rede pública.

Resistência à Aprendizagem Significativa

O que os professores da rede pública (alunos do curso) mencionam não é muito diferente de minhas observações como professora de Inglês em outros contextos de sala de aula, como, por exemplo, em cursos de graduação. Eles apontam para o não-querer como uma resistência. Queixam-se do fato de que falta muito para poderem dar conta de tudo o que precisam e querem fazer no cotidiano deles com seus alunos. Por vezes, esses professores parecem desnorteados, sem saber por onde começar a tarefa a eles imposta. Duas professoras explicitam, com clareza, a dificuldade que enfrentam:

Encontramos alunos com diversas habilidades, diversos talentos. Na maioria das vezes, acabamos nos omitindo porque não sabemos ainda como fazer diferente. Dessa forma, então, enfileiramos todos numa classe lotada e tentamos formatá-los com o mesmo formão. Temos que cumprir o planejamento feito anteriormente até mesmo sem conhecê-los e mantê-los em disciplina uma vez que nosso sistema nos avalia como competentes ou não. Então, rotulamos nossos alunos como o bagunceiro, o do fundão, o sonolento, o do batuque etc…. (sic)

…às vezes, ao tentar mudar, nos sentimos um tanto inseguros. Seria muito mais confortável continuarmos do jeito que estamos. Assim, não há insegurança, não há dúvidas, não há mudanças. Mas há o questionamento interior, e essa é uma cobrança silenciosa que nos deixa angustiados, pois sabemos que há uma necessidade urgente de fazer alguma coisa pela educação de nossos jovens, tão carentes em todos os sentidos. (sic)

As deficiências apontadas em relação à aprendizagem dos alunos podem ser divididas em três diferentes grupos: falta de hábito de estudo, de autoconfiança e de conhecimento da língua inglesa.[2] Tais carências podem ser alocadas em três campos distintos dos processos de ensino e de aprendizagem: o das habilidades de estudo, o emocional e o das habilidades lingüísticas.

Essa diferenciação foi feita para que eu pudesse refletir sobre cada uma das lacunas mencionadas. Enfatizo, no entanto, que se trata de uma analogia entre o processo de aprendizagem de línguas e um conjunto único de forças dinâmicas que se entrelaçam, se fundem e ocorrem durante todo processo. Há preponderância dessas forças em conseqüência da especificidade de cada instância de aprendizagem e, portanto, em virtude das diferentes necessidades de cada grupo de alunos. A figura self e aprendizagem, apresentada a seguir, mostra como esses campos se articulam:

Alguns ainda apontam outros aspectos que, a princípio, não foram previstos como o benefício trazido pela prática de atividades lúdicas realizadas na sala de aula:

Bom esses jogos está muito divertido, eu mesmo estou gostando muito nós se esquece um pouco dos problemas da vida. Nós se relaxa etc… Cada dia que tem estes jogos, nós deixa a tristeza pra lá e os problemas também, só isso que tenho pra dizer. (sic)

…criatividade e agilidade cada vez mais está fazendo parte dos nossos desenvolvimento físico e psicológico. (sic)

… quando estamos fazendo as aulas de teatro ficamos com um pouco de vergonha mais depois passa… as músicas é sempre boa pra relaxar. Gostamos muito de música lenta. Depois dessas aulas melhoramos bastante. (sic)

Depois da exposição de arte, utilizando os textos por eles dramatizados, elaboramos (a professora, a bolsista e eu) os diálogos-embriões. Os alunos demonstraram muita vontade de falar todo o texto em inglês, já que os diálogos tinham relação com a realidade deles. Foram aproximadamente quinze diálogos diferentes.

Tendo por base os ditos embriões, por nós fornecidos, os alunos em conjunto com a professora ampliaram os textos, inserindo mais informações. Foi uma atividade intensa na qual cada grupo separadamente trabalhou os diferentes diálogos. Deu-se ênfase ao conhecimento da língua como sistema e, nesse aspecto, a prática de pronúncia foi o foco da atenção. O relato da professora referente a uma das turmas que participou da atividade ilustra quão positiva foi a experiência:

I had the pleasure to work with 8th grade B students´dialogues which they have already copied and prepared at home. It was SUPERB!! I had the pleasure to help the groups adding more information according to their wishes. All, ALL groups were engaged into the dialogues. I could hear from their mouths the English language flowing naturally. As far as I am concerned, the groups want to present on STAGE!!! I have noticed that they became very comfortable. They show interest. They want to know how to pronounce the words, in the right way. They are learning a lot. In the end of the class I told them: ‘Nothing can stop you now…’ and the students clapped their hands, expressing HAPPINESS!!! (sic)

Contudo, vários problemas ocorreram durante essa fase. A maioria deles relacionava-se à falta de comprometimento de alguns alunos, que não levavam os textos para a sala de aula, não estudavam em casa ou diziam que não estavam entendendo o conteúdo do que estavam falando em inglês. Ainda assim, não desejaram – mesmo quando convidados – se desligar do grupo. Pelo contrário, alguns que, a princípio, não participavam dos jogos, solicitaram que fossem aceitos nos vários grupos previamente formados.

O trabalho com os diálogos perdurou até o final do semestre. Dois momentos marcaram essa fase: o ensaio geral e a apresentação geral. Cada turma contava com cinco grupos fixos em média. Quase todos os grupos levaram recursos de cenário e adereços. Houve variações na qualidade dos trabalhos de turma para turma e de grupo para grupo.

Foi marcante o entusiasmo e envolvimento da oitava série A e principalmente, da B que, conseqüentemente, apresentaram melhores resultados do que a oitava C. Nessa última turma, havia alunos mais dispersos, que faltaram a muitas aulas e mostraram-se menos comprometidos com a proposta. Muitos pareciam ter problemas de ordem emocional, cuja solução não estava ao nosso alcance. Mesmo assim, tanto a minha observação como o relato dos alunos sugerem que houve transformação nas relações entre as pessoas: o querer foi despertado e a aprendizagem ocorreu. Filmamos a apresentação final e, em seguida, discutimos com alunos a experiência como um todo.

Na semana seguinte – após as apresentações -, os alunos responderam a um questionário, por meio do qual pude avaliar melhor os resultados do trabalho.

As respostas ao questionário foram organizadas em seis grandes grupos: 1) Gostei e aprendi porque…;

2) Sugiro que…;

3) Não participei porque…;

4) Antes eu… depois eu…[3]

5) O que eu mais gostei foi…;

6) O que eu menos gostei foi….

Para a discussão dos depoimentos dos alunos, voltemos a figura self e aprendizagem. Todos os relatos apresentaram um sinal de interferência em um ou, por vezes, em mais de um dos campos do processo de ensino/ aprendizagem. Vejamos alguns exemplos de como classifiquei as afirmativas dos alunos nos campos da figura. Nos três casos a seguir, há a expressão de algum tipo de mudança no campo emocional:

… a aula de jogos dramáticos me ajudaram a perder o medo ou

… o divertimento ajuda a aprender mais rápido as coisas

… todos nós viramos uma grande equipe.

Já afirmações como … essas atividades ajudaram para aprender muitas profissões em inglês… ou do tipo: aprendi muitas expressões com os diálogos foram consideradas como ilustrativas de alguma interferência no campo das habilidades lingüísticas.

As afirmações voltadas para as questões de organização de estudos, de reflexões sobre a forma de aprender, por sua vez, foram classificadas como sinais de interferência no campo de habilidades de estudo. Alguns exemplos são: …aprendi mais depois de escrever o diálogo, ficou mais fácil … ou foi ruim porque as pessoas não estudaram em casa.

Na análise dos relatos, a tônica nas mudanças ocorridas no campo emocional da aprendizagem foi o que mais nos chamou a atenção. O campo emocional – como já mencionado – é o indicador da presença ou ausência de autoconfiança, que promove segurança ou insegurança nos alunos para o enfrentamento dos obstáculos inerentes ao processo de aprendizagem. A situação das turmas de oitava série em que a proposta foi implementada é marcada por uma acentuada carência no campo emocional. A falta de autoconfiança e determinação para o trabalho indicam uma atitude generalizada de resistência à Aprendizagem Significativa. Pude observar, no entanto, que o uso de atividades teatrais demonstrou-se capaz de promover a abertura a esse tipo de aprendizagem.

Certamente, houve mudanças nos outros dois campos também. Os alunos aprenderam a usar a língua inglesa em algumas situações de comunicação e foram sensibilizados para o ritmo, a entoação e a pronúncia de palavras. A grande maioria desejou comunicar-se em inglês e esforçou-se para repetir as falas da forma mais aproximada possível dos modelos (fala da professora, da bolsista e da minha). Também foi a maioria que se organizou para cumprir as tarefas solicitadas e exercitou-se para o trabalho em equipe e a organização dos materiais.

Fechando as Cortinas

Como essa proposta didática, sem dúvida, diverge muito do tipo de trabalho pedagógico a que os alunos tinham sido antes expostos, vários outros aspectos – não necessariamente ligados ao ensino de línguas – tiveram de ser abordados para que o trabalho pudesse ocorrer. E embora não faça parte do escopo deste artigo discutir as inúmeras reflexões que essa experiência suscitou, gostaria de mencionar uma delas que muito me chamou atenção. A escolha das profissões a serem dramatizadas revelou muito sobre o cotidiano dos alunos e foi decisiva para que eu pudesse perceber as aspirações desses jovens. As profissões de vendedor, cabeleireiro, modelo, mendigo e “riquinho” foram as mais citadas por eles. Para minha surpresa, identifiquei algumas concepções distorcidas entre muitos alunos, em relação à atividade profissional. Para eles, ter dinheiro já se configura como uma profissão. Eles consideram mendigo e rico profissões e essa associação que fazem revela uma descrença na força de trabalho e na profissionalização, uma vez que a profissão, para eles, não contempla fazer e sim ter ou não ter dinheiro. Esses jovens não parecem perceber que o dinheiro é resultado do exercício de uma atividade profissional remunerada, geradora do sustento. A partir daí, passei a refletir sobre o conceito de trabalho, profissão e remuneração que esses jovens possuem e a maneira como se percebem incluídos no mercado de trabalho ou excluídos dele.

Surgiram, ainda, outras profissões próximas do cotidiano dessas pessoas, tais como engraxate, garçom, babá e ambulante. Todavia, eles não ousaram escolher trabalhos que exigem uma formação de nível superior, como, por exemplo, médico, advogado, professor. Na verdade, essas profissões parecem muito distantes da realidade deles, que nem sequer vislumbram essas possibilidades.

Essa descrença pode ser ilustrada com o comportamento de um grupo de meninas que, a princípio, havia escolhido a profissão de babá, mas que, por algum motivo, quis mudar a escolha. Foi sugerido pela bolsista de Iniciação Científica que, pelo tipo de objeto que possuíam, interpretassem um grupo de médicas. As meninas sentiram-se incomodadas com a sugestão e designaram a própria bolsista para interpretar a médica, enquanto elas seriam as assistentes. Quando lhes foi perguntado se alguma delas não gostaria de interpretar a médica, todas se recusaram, revelando-se inseguras e sem capacidade para representar tal papel.

Evidentemente, essas revelações acerca das representações dos alunos sobre profissões merecem um estudo realmente aprofundado, o que, como já mencionado, não faz parte deste artigo.

Ficou claro que o tipo de proposta didática que inclui as atividades teatrais contemplou o conjunto de procedimentos que objetivam a facilitação da aprendizagem conforme discutido anteriormente. O querer foi despertado e a Aprendizagem Significativa – caracterizada pela transformação do aprendiz – parece ter ocorrido

Gostaria de finalizar apontando que a realidade da escola pública na qual esse projeto está sendo desenvolvido nos revelou muito mais do que fomos buscar. Observou-se um grande potencial a ser trabalhado e uma significativa demanda para reflexão, busca e implementação de propostas didáticas capazes de facilitar a aprendizagem.

Referências Bibliográficas

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[1] A professora que atuou na implementação da proposta didática foi aluna do programa de formação contínua de docentes de Inglês intitulado: “A Formação Contínua do Professor de Inglês: um Contexto para a Reconstrução da Prática”, idealizado e implementado pelo Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem da PUC-SP e pela Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa, e coordenado pela profa. dra. Maria Antonieta Alba Celani.Esse programa inclui o curso Reflexão sobre a Ação: o professor de inglês aprendendo ensinando, o qual conta com um módulo ministrado por mim: Resgatando o Aprender e Compartilhando o Ensinar. A professora foi minha aluna no primeiro semestre de 2002.
[2] Estudo realizado em Duarte (1996) retomado em Duarte (2002)
[3] Respostas que apresentavam alguma mudança no decorrer do processo