Abordagem Centrada na Pessoa: uma terapia ética

Victória Mylena Almeida de Souza

INTRODUÇÃO

Em um primeiro momento, é importante partir de uma breve apresentação do que
seria a Abordagem Centrada na Pessoa e quem foi o responsável pela sua expansão
enquanto uma abordagem da Psicologia.
Inicialmente, Carl Rogers, nascido em 1902 em Oak Park, Illinois, em uma família
conservadora e profundamente religiosa, foi o primeiro a falar em uma terapia centrada na
pessoa. No entanto, antes de iniciar seus estudos em Psicologia, se interessou
primeiramente pela agricultura e depois pela religião. Somente em 1931 finalizou o
doutorado em Psicologia, de modo que seus primeiros trabalhos como psicólogo foram com
crianças delinquentes e sem recursos na Associação para a Proteção à Infância em
Rochester. Já nos anos 1940, como docente na Universidade Estadual de Ohio, começou a
desenvolver sua abordagem centrada na pessoa.
Indo mais afundo, a Abordagem Centrada na Pessoa, que a partir de agora será
abreviada por ACP, é uma teoria que tem como base a confiança no potencial pleno de cada
pessoa, em que o papel do terapeuta é ser facilitador do seu cliente nessa busca de ser ele
mesmo. A abordagem entende que só há mudança quando a pessoa encontra seu
potencial, olhando para si mesma, no seu contexto, dentro de suas condições e
possibilidades. Além disso, entende que a psicoterapia é um espaço seguro para que o
cliente explore a si próprio, seus sentimentos e experiências para que assim possa se
auto-desenvolver e se auto-realizar.
Desse modo, as ideias de Rogers foram revolucionárias em sua época, já que
desafiaram as abordagens mais autoritárias de Freud e as comportamentais. Ele defendeu
uma relação terapêutica baseada na igualdade, onde o cliente não era visto como um
“paciente” passivo, mas como um participante ativo em seu próprio processo de cura.
Enfatizou a importância da relação terapêutica e da experiência subjetiva do indivíduo.
Partindo dessa compreensão da Abordagem Centrada na Pessoa, este trabalho visa,
de forma sucinta analisar a dimensão ética da ACP enquanto práxis da Psicologia, levando
em consideração sua função social e seu compromisso ético. Para isso, a teoria ética do
filósofo francês Emmanuel Levinas, será utilizada para sustentar a concepção de ética
ligada à abordagem rogeriana.

DESENVOLVIMENTO

A partir de leituras tanto da bibliografia básica da disciplina de Ética do curso de
Psicologia da Universidade Federal de Goiás, quanto apoiada em textos complementares, a
presente discussão se propõe a estabelecer uma relação entre a Abordagem Centrada na
Pessoa, do psicólogo humanista Carl Rogers, com a filosofia ética de Emmanuel Levinas
(1906), filósofo nascido na Lituânia (parte do Império Russo) mas em 1923 vai para a França
para estudar na Universidade de Estrasburgo, onde se especializou em filosofia.
Nessa perspectiva, a fim de entender essa teoria, destacamos que sua filosofia foi
fortemente influenciada por pensadores como Martin Heidegger e a tradição
fenomenológica. O centro do pensamento de Levinas é centrado na ideia de que a ética não
parte da reflexão sobre o “bem” e o “mal”, ou sobre o “certo” e “errado”, não é um conjunto
de regras, mas sim a experiência concreta e original do encontro com o outro. A alteridade
para ele é ponto fundamental na discussão sobre ética, de modo que a ética como
intersubjetividade é o ponto de partida de uma discussão filosófica. A ética é intrínseca à
relação inter-humana.
Levinas introduz a noção de “rosto” do outro como ponto de partida para a ética. Em
suas palavras, “o acesso ao outro é num primeiro momento ético” (p.69). Esse rosto, no
entanto, não é apenas uma coisa física e objetiva, mas uma manifestação do outro enquanto
ser, “o rosto é significação” (p.70) e diante desse “rosto”, desse outro, não podemos atribuir
rótulos. Nada pode ser atribuído previamente a ele sem que ele me fale ou me revele. Assim
também, esse filósofo nos faz compreender que uma atitude ética diante do outro é a
responsabilidade, não uma responsabilidade acerca do que outro faz ou escolhe, mas uma
responsabilidade autêntica voltada para a sensibilidade “em mim para ele”, uma
sensibilidade diante de sua fragilidade e alteridade, ver o outro como vulnerável e diferente
de mim
A ética de Levinas destoa da tradição filosófica ocidental, de tal forma que a
centralidade não estava no outro, mas no eu, além de que esta estava vinculada à ideia de
normas e regras, que assumidas livremente proporcionavam a realização do ser humano,
bem como a regulação da convivência em sociedade. Acerca disso, entende-se que a ética
na concepção de Levinas,ao contrário, preserva a alteridade do outro, convida o eu à
abertura e ao acolhimento.
Diante disso, os principais aspectos de convergência entre as filosofias de Levinas e
Rogers são: a ideia de autenticidade, a valorização do encontro genuíno com outro,o foco na
experiência do outro, o papel da escuta e a transformação ética advinda da relação
inter-humana. Nessa perspectiva, compreende-se claramente a dimensão ética da ACP.
Um terapeuta centrado na pessoa é ético porque ele tem a preocupação de não
influenciar o seu cliente com seus valores pessoais e crenças, ele é aberto ao que o outro
trás de si mesmo para a relação. Trata-se de uma relação participativa, eu estou com o
outro e o outro está comigo numa troca. Rogers entende que em uma relação de ajuda o
psicoterapeuta deve suspender seus juízos, trazendo à tona a autenticidade como fator
essencial para criar um ambiente propício para que seu cliente explore seu verdadeiro self,
vivendo assim a abertura genuína e congruente para com o outro sem reduzi-lo a conceitos.
Na ACP “os clientes se sentem respeitados e aceitos como pessoas incondicionalmente, ou
seja, como pessoas respeitáveis independentemente de seus pontos de vista e convicções.”
(Rodrigo Rezende, Encontro ACP)
No que tange à dimensão do diagnóstico na ACP, o foco do terapeuta centrado na
pessoa não está nele, mas sim na pessoa por trás dele. “O foco não é o diagnóstico, mas a
qualidade da relação” (Marcos Alberto Pinto, Encontro ACP). Busca-se a pessoa que sofre
por trás do diagnóstico, seus medos e sofrimentos, histórias e sentidos, que quando
rotulados num diagnóstico, muitas vezes são esquecidos. Por isso Rogers defendia que o
mais importante na relação de ajuda é a própria pessoa. A pessoa com seus potenciais,
sonhos, desejos e possibilidades.
Sobre a importância do encontro profundo na relação, Rogers defendia que uma
relação intersubjetiva verdadeira proporciona crescimento no cliente, e que a presença do
terapeua, pode ser objeto de transformação para o cliente, assim como o inverso, contudo
respeitando os papéis de cada um no processo terapêutico. O terapeuta deve estar
disponível para o cliente, emocionalmente e intelectualmente, proporcionando esse espaço
seguro para ele entrar em contato com a própria realidade e desse modo tomar decisões em
liberdade, responsabilizando-se por elas.
Dessa forma, Rogers utiliza três pressupostos básicos para sintetizar a psicoterapia
que ele desenvolveu, os quais tornam sua terapia ética: empatia ou compreensão empática,
congruência e aceitação ou consideraçao positiva incondicional.
Empatia é a capacidade de perceber o outro, em sua perspectiva interior, com os
seus significados emocionais, como se fosse a própria pessoa, mas sem deixar de lado o
componente do “como se”, ou seja, perceber o outro assim como ele é mas sem se misturar
com ele. Não é o “se colocar no lugar do outro” como diz o senso comum, porque só o outro
pode estar em seu próprio lugar. Esse estado de empatia só se dá se o terapeuta está
verdadeiramente de prontidão para o seu cliente, à medida que se aproxima dele e o olha
assim como ele se apresenta.
A congruência diz respeito à harmonia em que o terapeuta busca estar consigo
mesmo, ou seja, estar aberto a sentir os próprios sentimentos,podendo escutá-los,
elaborá-los e expressá-los (Marina Pacheco Jordão,p.49). É o modo como ele se coloca na
relação. É a capacidade de agir com espontaneidade e expressar o que acontece dentro de
si a favor da relação. O facilitador percebe como o cliente o afeta e comunica isso a ele. É o
modo de ser autêntico. Assim, o terapeuta que se conhece e se ouve é mais capaz de ouvir
o ser do outro. Quanto mais ele aceita e vive o seu íntimo, mais é possível haver uma
relação de pessoa para pessoa no encontro com o cliente.
Sobre a consideração positiva incondicional, é uma noção que passa por outra duas,
a tendência atualizante, que é a tendência do indivíduo em desenvolver suas
potencialidades, e pela liberdade experiencial, que diz respeito à liberdade do indivíduo em
reconhecer experiências e sentimentos pessoais sem a necessidade de negá-los para ser
aceito pelos demais. Dessa forma, a consideração positiva incondicional é a atitude do
facilitador que permite que o indivíduo cresça e se desenvolva de forma livre. É a
capacidade de aceitar a outra pessoa incondicionalmente, o que ela fala e pensa, sem
críticas e julgamentos, acreditando no potencial dela, que para Rogers é naturalmente
positivo. Isso contribui também com o resgate da auto- estima do cliente prejudicada pelo
mundo externo, possibilitando que ele volte a ter consideração consigo mesmo.
Consoante a isso, a ACP se apresenta como uma terapia ética devido a esse caráter
de valorização da originalidade de cada encontro, convergindo com a concepção do filósofo
lituano, com sua teoria do “rosto”, como elemento de pessoalidade e de encontro
espontâneo do Eu diante do mundo.

CONCLUSÃO

Em resumo, a ética não é resultado de uma razão que determina a norma a ser seguida.
Trata-se, portanto, do que acontece num encontro verdadeiro com o “rosto”, do outro, numa
convocação a atender uma solicitação vinda deste outro. O Outro bloqueia o poder do Eu à medida
que convida ao acolhimento ao qual ele se revela.
Sob esse viés, Rogers não propõe técnicas na constituição da relação de ajuda. Não se dá
com a aplicação de conhecimentos e habilidades de um especialista que sabe do outro mais do
que ele mesmo. Na ACP não existe a regra pela regra, o que existe é o foco na capacidade natural
de cada homem de se autodesenvolver e de alcançar seu pleno potencial por meio das condições
facilitadoras fornecidas através de um espaço ético,no qual o cliente pode se sentir valorizado,
ouvido e compreendido.
A ACP não se aplica, ela se vive na relação. Se constrói na intersubjetividade do Eu e do
Outro. O rosto do outro que chama o terapeuta à responsabilidade infinita. Citando assim
Rosenberg, “se posso admitir sem medo a experiência de outra pessoa como diferente da minha,
posso aceitar a entendê-la e, junto dela então, ajudar a integrá-la no seu eu.” É compreensível
afinal que o terapeuta não pode usar do seu poder de conhecimento para rotular o outro, impor-lhe
e corrigi-lo, ele deve ter em mente que o caminho ético da auto realização passa pela alteridade
irredutível de cada indivíduo.
Diante disso, pode-se dizer que a psicoterapia da ACP privilegia a relação ética com o outro,
a qual valoriza a experiência subjetiva de cada sujeito, enquanto ser individual e único, tal qual
afirmou Levinas, em 1982 “posso substituir a todos, mas ninguém pode substituir-me. Tal é a minha
identidade inalienável de sujeito”.
Finalmente, concluímos que é inegável a relação entre a teoria ética de Levinas e a
Abordagem Centrada na Pessoa de Rogers, tanto um quanto o outro enfatiza a importância das
relações autênticas e respeitosa com os outros e expressam o nítido valor do encontro com o outro
como fundamental para o desenvolvimento e compreensão do ser humano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2010. 115f. Dissertação de Mestrado em Filosofia – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia –
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JORDÃO, Maria. Reflexões de um terapeuta sobre as atitudes básicas na relação Terapeuta
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ROSENBERG, Rachel. Palavras sobre ética. In: ROSENBERG,Rachel (Org). Aconselhamento
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