A ACP e a liberdade de ser (um autorrelato psicóloga/pessoa)

Patricia Meira do Nascimento

Para trazer minha visão e vivência com a Abordagem Centrada Na Pessoa, vou precisar trazer um autorrelato, começando pela minha infância, aonde eu era uma criança de gostos “incomuns” e falas questionadas, até que de tanto “julgarem” me acostumei a ser a pessoa quieta que nem gostava de pedir licença para as pessoas porque eu não queria incomodar, porque eu havia entendido que este era o lugar em que eu sempre estava, de estar errada “então eu vou me comportar de outra forma que não a minha, porque assim é mais seguro, mais garantido que as pessoas vão gostar de mim, quero ser a boazinha de quem todos vão gostar mais”… Mas que ilusão eu vivia né? Hoje, olhando para trás eu sinto o quanto eu me violentava sendo desta forma! E para quebrar este ciclo de violência comigo mesmo, foi um processo difícil, precisei me fortalecer e conhecer a Abordagem Centrada na Pessoa teve um papel especial nessa trajetória.
O que o jeito de ser da ACP tem a ver com isso? Minha experiência diz que tudo! Quando tenho alguém que me permite sentir e expressar meus sentimentos, aí então eu os conheço e lembram-se da frase do Rogers? “O curioso paradoxo é que quando me aceito como sou, então posso mudar”! Eu preciso conhecer e reconhecer quem eu sou para me entender, entender o que eu gosto em mim, o que faz sentido para então me mover em direção àquilo de forma: gosto ou não gosto, para entender que a principal pessoa a me aceitar sou eu comigo mesma e assim viver mais plenamente. No meu modo de ver, as atitudes facilitadoras e a minha postura no ambiente terapêutico me permitem estar com a pessoa de modo inteiro e de verdadeiro interesse em estar na relação, eu não tirarei a liberdade dela ser ela mesma, assim permitindo à pessoa que está na minha frente a experiência de se conhecer e então decidir por si o que é melhor e “ter um funcionamento bom”, um funcionamento pleno.
Para Rogers a pessoa interiormente livre pode se mover em qualquer direção e com isso ele dizia querer estar na relação podendo proporcionar condições facilitadoras para que assim as pessoas sigam sua própria direção, atitude da qual, ao meu ver, é de suma importância dentro do jeito de ser e estar da ACP.
Desde criança somos questionados do que estamos sentindo, “mas isso não dói”, “não precisa chorar”, o quanto de agressão e repressão há em frases tão “bobas” como essas, não é mesmo? … Para isso Rogers fala “Quando alguém exprime um sentimento, uma atitude ou uma opinião, nossa tendência é quase imediatamente sentir: “Está certo”, “que besteira”, “não é normal”, “não tem sentido”, “não está certo”, “não fica bem”. Raramente permitimos a nós mesmos compreender precisamente o que significa para essa pessoa o que ela está dizendo. Julgo que esta situação é provocada pelo fato de a compreensão implicar um risco. Se me permito realmente compreender uma outra pessoa, é possível que essa compreensão
acarrete uma alteração em mim. E todos nós temos medo de mudar. Por isso, como afirmei, não é fácil permitir a si mesmo compreender outra pessoa, penetrar inteiramente, completa e empaticamente no seu quadro de referência. É mesmo uma coisa muito rara.” (Rogers pg. 21).
Assim percebo a importância de entender, dentro das relações, que se o outro se diz machucado por algo que fiz, mesmo que eu não tenha tido a intenção ou não “julgue” que aquilo seja algo para ele ficar magoado, se eu quero estar com o outro, se eu estou disposta eu vou precisar estar aberta à experiencia e entender que o que não me machuca pode machucar ele. Porque parece que existe um manual oculto do certo e errado e estamos sempre tentando acertar e cumprir este papel, mas que manual é esse e porque fazemos isso? Enquanto praticante da Abordagem Centrada Na Pessoa, se eu acredito na Tendência Autoatualizante, eu acredito que as pessoas sabem viver por elas mesmas e que meu papel ali é de facilitar esta descoberta da pessoa consigo mesmo, de permitir ser! E que lindo seria se todos se permitissem ser e ver o outro ser quem se é.

ROGERS, Carl. Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 1997.